do 5º andar, da janela do meu apartamento, do meu quarto, do meu prédio, a vista dá logo para o parque do condomínio, do lado da quadra, na frente da churrasqueira. um menino e um senhor brincam no silêncio da tarde de domingo. o menino tem seus 5, 6 anos e toda a energia dessa idade, já o senhor parece bem mais velho, com passos lentos, braços meio abertos e cabelos bem grisalhos. o menino usa uma camisa vermelha e começa a passar seu pé no chão como se preparasse para um desafio. o senhor, um pouco a frente, anda devagar na direção do menino e repete o mesmo gesto que ele. o menino reconhece a brincadeira e começa a correr, não muito rápido, para a quadra. o senhor, que também entende a brincadeira, vai atrás do garoto, porém bem mais devagar que o necessário para acompanhá-lo. o menino fecha a porta de grade da quadra, se protegendo do touro que desafiou e espera para que ele chegue até o portão. a espera é um pouco mais demorada que em uma tourada, mas o menino não se importa em esperar o tempo de seu companheiro, meio touro, meio avô. ele segura firmemente o portão e o touro bate com seus chifres, não tão forte, forçando o garoto a abrir. a brincadeira funciona assim: um entende o outro, com seus limites e seus desejos. quando o toureiro abre a porta que os separa, ele e o touro se encaram de frente, se reconhecendo naquele campo de batalha. nada é dito. o idoso tourinho e o jovem toureiro parecem acostumados com seus embates. o tourinho é calmo, mais cansado que o toureiro. o toureiro é agitado, as vezes parecendo até agressivo diante do seu rival tão amigável. ainda assim, o toureiro espera o touro e o touro não se incomoda com a agilidade do toureiro.
a brincadeira continua, agora com o embate físico entre o animal e o suposto dominador. o senhor, ou o touro que incorporou, senta-se no banco. o menino, no entanto, ainda não havia se cansado. agora em uma mistura de violência e carinho, os dois continuam a preencher o silêncio. o menino pega no braço do avô. o toureiro domina o touro. o avô agarra o menino. o touro reage. os dois se separam. o touro e o toureiro saem de cena. o avô chama o menino para entrar e o menino diz que está com sede. o menino segue na frente, como sempre, e o senhor o acompanha em uma velocidade bem menor. e eu espero para o próximo duelo. aqui de cima, do 5º andar, da janela do meu apartamento, do meu quarto…
