laura
2 min readMay 6, 2021

A culpa é dos teus olhos

A culpa é dos teus olhos marrons. Em tons de madeira antiga, orvalhos e oliveiras. A culpa é da profundidade da sua pupila, negra e cintilante. A culpa é dos teus olhares, das tuas feições, dos teus traços. A culpa é sua.

Nem mil palavras poderiam me convencer que, diante de seu rosto e da maneira com que me olha, a culpa seria de outro alguém. De quem seria, afinal? Se me perdi em ruínas, foi por conta da escuridão que habita em seu globo ocular e que não consigo me encontrar.

Entre estradas, terras e caminhos, não há uma só trilha que não tenha traçado para tentar escapar de ti. Perdi-me. Vi-me em meio à imensidão que te habita, com árvores alongadas e tortuosas, assim como tu és. Procurei-me no caos, tentei fugir, encontrei-me em prantos. Se um dia me dissessem que a simplicidade dos olhos castanhos faria com que eu colocasse em xeque todas as minhas crenças, jamais acreditaria. Jamais poderia pensar que, nas colorações mais simplórias dos olhares, poderia encantar-me com a sua humilde extravagância. Não é comum que tal tonalidade surpreenda-me de maneira tão inusitada, mas os teus olhos, semicerrados, com cílios curtos e aparência de ingenuidade, eles sim conseguiram que eu me perdesse.

Talvez se fossem verdes, feitos propositalmente para deslumbrar quem os encarasse, poderia lidar com tamanha angústia. Ainda se fossem azuis, comparáveis aos céus e mares, seria possível passar pela minha mente que um dia eles seriam os culpados da minha dor. Entretanto, nenhuma das cores que divergem os “diferentes” poderiam causar tamanho impacto quanto os seus olhos castanhos.

Sinto por falar de meus sentimentos como se fossem facadas em meu peito inchado, porém não há maneira certa de agir. Quando pude reparar o que acontecia, havia me feito de fantoche para que seus olhares me controlassem. Não há alegria na perda de controle, ainda mais quando a causa está na sua característica única, porém tão comum a outros rostos.

Não somente isso fez com que meus sentimentos se confundissem de maneira sinestésica, mas também suas feições. Das mais arrogantes e sarcásticas até as mais dóceis, não pude segurar-me a nenhuma barra de ferro ao reparar seu sorriso curvo e sobrancelhas tortas. Não houve momento algum em que, ao me deparar com suas covinhas tímidas e suas rugas de alegria, consegui esconder o que sentia. Vi-me presa ao seu rosto, com todos os pelos que insistem em crescer fora do lugar e todas suas singelas sardas, visíveis somente para quem olha-o tão detalhadamente. Tudo em sua face parecia-me tão banal, mas, ao mesmo tempo, tão extraordinário.

Perdoe-me pelas palavras exageradas, mas conter o que digo, em meio aos seus detalhes trivialmente excepcionais, torna-se a missão mais difícil que sinto em meu peito. Torno a dizer: todos os seus defeitos, que nunca foram realmente defeituosos para a mim, formam teu semblante, que, apesar de ordinário, aparenta ser ainda mais raro a cada vez que te vejo.

Obrigada por ser tanto,

e por ser tão pouco.

laura

aspirante a escritora | estudante de jornalismo pela ufmg | enfj | tentando falar sobre a vida